Quando a telemedicina não é suficiente
A interação entre médico e paciente nas consultas presenciais garante o imprescindível vínculo de confiança
A utilização da telemedicina teve início durante a pandemia do coronavírus, e essa tecnologia se espalhou rapidamente. Tanto médicos como pacientes devem estar se perguntando se este é o início de um novo tipo de interação entre médico e paciente capaz de transformar totalmente nosso sistema de assistência médica.
Não estou totalmente convencido, e talvez nem os próprios americanos estejam, até porque, aparentemente, o surto está se estabilizando.
Não sou cético da tecnologia: apoio a tecnologia da informação na saúde. A nova TI pode trazer enormes benefícios para pacientes e cuidadores. Há alguns anos, ajudei o governo federal a convencer médicos e hospitais a adotar os registros eletrônicos em suas rotinas. Aliás, o atendimento médico virtual seria muito menos valioso se não fossem tais registros, que permitem aos médicos acesso remoto ao histórico dos pacientes.
Tampouco sou clínico geral. Mas sei que a relação de confiança que se estabelece entre médicos e pacientes pode ser benéfica, tanto na oferta de tratamento quanto no recebimento. E que a confiança — graças à qual pacientes ansiosos voltam a dormir à noite e mães inexperientes mantêm a calma quando o filho está doente — se desenvolve mais rápido e mais intensamente por meio das relações pessoais.
Clínicos bem treinados utilizam todos os seus sentidos — não apenas a audição e a visão. O que o paciente geralmente não percebe, e não é motivo de suas queixas, constitui o fator mais importante: o médico avalia o indivíduo como um todo: passou a claudicar, mudou a postura, está pálido? E não há exame mais custo-eficiente que a palpação manual. Em exames de rotina descobri inúmeros casos de câncer tratáveis que seriam impossíveis de detectar no mundo virtual. Numa consulta zás-trás seria possível detectar um linfonodo duro, um baço ou um fígado inflamado? Ou um nódulo inesperado na próstata (apenas com o PSA de rotina)?
Consultas presenciais em que predominam os vínculos de confiança entre ambas as partes são ainda mais importantes para pacientes com problemas complexos e inter-relacionados. Cerca de 5% da população americana responde por 50% dos gastos com assistência médica. São pessoas debilitadas, frágeis, não raro portadoras de várias doenças — diabetes, problemas cardíacos, hipertensão, artrite, demência, depressão — interligadas e já difíceis de tratar nas melhores condições presenciais, que dirá através de uma tela. Talvez a melhor maneira de ajudá-las seja mantê-las longe do hospital quando surge algum sintoma. Porém, opções como esta, que muitas vezes requerem espera e análise, só são possíveis em clima de familiaridade e segurança mútua.
Há momentos e lugares em que o atendimento virtual é apropriado. Durante uma pandemia, quando o contato pessoal precisa ser limitado, ele é crucial para manter médicos e pacientes conectados. E em áreas remotas dos Estados Unidos onde não há outra forma de atendimento, a telemedicina tem sido um salva-vidas — principalmente pela oferta de serviços escassos de especialistas como forma de apoio aos médicos de família.
Em muitos casos a assistência médica provida pelas conexões virtuais é excelente, além de mais conveniente e barata que o atendimento presencial, como monitoramento da pressão sanguínea, sintomas respiratórios leves (independentemente da covid-19) e outras rotinas. Também para algumas doenças mentais o atendimento virtual é uma boa opção. E vale lembrar que é mais indicado para jovens sadios que para idosos e doentes. As tecnologias de monitoramento remoto de certos parâmetros — batimentos cardíacos, nível de açúcar no sangue, peso, taxa respiratória — são úteis não só aos pacientes por lhes possibilitar melhor controle de suas doenças crônicas, como também aos médicos nos diagnósticos e tratamentos. É um novo mundo de possibilidades que se abrem graças a esses benefícios e à inteligência artificial.
Os últimos meses proporcionaram um curso intensivo de telemedicina tanto aos médicos como aos pacientes, e essa exposição, sem dúvida, dará melhores condições de utilizar essa tecnologia que avança a passos largos. Mas o teleatendimento médico será melhor quando estiver adaptado aos seres humanos e suas necessidades — e não o inverso. Poderia ser mais uma ferramenta baseada nas relações humanas e que as promove com olhos, ouvidos e mãos de clínicos que sempre nos atendem quando estamos doentes.
Fonte: Harvard Business Review