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30 aprendizados sobre estratégia empresarial

Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, canta Lulu Santos. Quase quatro décadas depois, o clássico dos anos 1980 está mais atual do que nunca. Em plena era da tecnologia, quando robôs são capazes de substituir médicos em cirurgias complexas e a inteligência artificial ressignifica a forma como lidamos com pessoas e objetos, o mundo se rende ao domínio de um vírus avassalador.

Os impactos da crise sanitária, econômica e social, além de serem globais, são de uma dimensão sem precedentes nos últimos cem anos. Ninguém foi poupado, nem mesmo as grandes economias. “Diante da nova realidade, as organizações devem revisitar suas estratégias, tendo por foco capacitações efetivamente diferenciadas”, afirma Federico Servideo, sócio da consultoria PwC Brasil. “É preciso olhar para a cadeia de valor dos seus produtos e serviços com mais eficiência, trabalhar a estrutura de custos e aprimorar a eficiência operacional.”

Um desafio para quem se viu da noite para o dia com a linha de produção parada, lojas fechadas e tendo de colocar em prática projetos que estavam no papel, de onde sairiam em dois, três anos ou mais. A pandemia acelerou exponencialmente certos movimentos, entre eles a transformação digital. No setor de saúde, por exemplo, a telemedicina, que há anos vinha sendo discutida no Brasil, foi liberada em caráter excepcional pelo Conselho Federal de Medicina e pelo Ministério da Saúde no mês de março.

Quem já tinha investido na tecnologia, como o Hospital Sírio-Libanês, saiu na frente. Em abril, 72% das consultas do hospital foram feitas remotamente, segundo dado publicado no portal Valor Investe. Portanto, apesar da anedota sobre ter sido o coronavírus o verdadeiro responsável pela transformação digital das empresas, do ponto de vista estratégico quem não levou esse assunto a sério tem sofrido as consequências. A transformação digital não é estratégia de futuro, é presente. Quem não adotar ficará fora do mercado.

A duras penas, a pandemia trouxe à tona a certeza de que as organizações têm de ter capacidade para inovar tanto no conceito disruptivo, incremental, como de foram radical, a fim de melhorar sua capacidade de criar e entregar produtos e serviços. “O coronavírus provocou a reinvenção, não deu tempo para ninguém colocar o protótipo em teste”, diz Mary Alejandra Ballesta, head de inovação e negócios digitais da Stefanini. “Num mundo incerto, é preciso fazer experimentos para saber que caminho seguir, mesmo que o novo modelo não esteja totalmente concluído.”

Um exemplo prático de inovação adotada de forma massiva nesta pandemia foi a modalidade drive-thru. Antes restrita aos fast foods, a estratégia passou a ser utilizada no varejo, tanto em lojas de rua como em shoppings, e também pelo segmento da saúde, para a aplicação de vacinas.

Um indicador do crescente interesse do brasileiro por essa modalidade de entrega de produtos e serviços foi o aumento da busca pelo termo drive-thru no Google. De acordo com a ferramenta Google Trends, a palavra chegou a atingir o pico de 2.500% a mais no número de pesquisas, em comparação ao período pré-pandemia. Apesar de ter diminuído, o interesse se mantém em alta, sempre acima dos 500%. Até as escolas inovaram ao adotarem a festa junina drive-thru. As dinâmicas variaram bastante de instituição para instituição, mas algo foi comum a todas elas: crianças vestidas a caráter acenavam de dentro do carro para seus professores que, sorridentes e saudosos, organizavam a fila de automóveis.

Nesse sentido as empresas estão aprendendo a experimentar muito mais em ciclos curtos, o que leva as grandes organizações a se aproximarem cada vez mais das startups e a criarem ecossistemas que as ajudem a promover as mudanças necessárias. “Todas terão de ter cultura de startup, trata-se de um caminho sem volta”, afirma César Souza, presidente do Grupo Empreenda.

Foi o que fez a Basf, multinacional alemã, que criou em São Paulo o centro colaborativo tecnológico Onono, para oferecer soluções tecnológicas para clientes e fomentar novos negócios, inclusive com startups. O espaço abriga aceleradoras, mentoria e startups, e é aberto a outras companhias, a fim de gerar valor para todos. “A proposta do Onono é acelerar a troca para aumentar os relacionamentos e a agilidade, que são ferramentas para a inovação”, afirmou Fábio Sant’Ana, diretor digital da Basf na América do Sul em entrevista à Época Negócios (março 2019). De iniciativas como essa, novos modelos de negócios devem surgir e ganhará destaque no mercado quem estiver aberto ao novo.


INTERCONEXÃO E COLABORAÇÃO

Talvez, em nenhuma outra época, grandes companhias dependeram tanto das pequenas empresas na cadeia de valor. “É cada um se desenvolvendo, se complementando e entregando produtos e serviços em conjunto, compondo um ecossistema eficiente”, afirma Lyana Bittencourt, diretora executiva do Grupo Bittencourt. “Ninguém consegue ser bom em tudo”. Na visão da consultora, ecossistema é sinônimo de parceria organizada, é soma de competências complementares.

Muito embora o conceito de parcerias não seja novo, o que mudou nos últimos meses e tende a se manter num futuro próximo foi a disposição para enxergar mais do que uma oportunidade de ocasião, uma nova estratégia de ganho para todas as partes, inclusive o consumidor. “Funciona bem quando não tem sobreposição e, sim, complementação para entrega de solução e propósito de valor”, observa Bittencourt. “Mas é preciso documentar os acordos, determinar obrigações e ganhos de cada um.” Muitas empresas enxergaram nos últimos tempos a oportunidade de ampliar sua capacidade comercial a partir de terceiros, ofertando valor ao parceiro e vice-versa.

Foi o que fez Adriana Auriemo Miglorancia, franqueadora da rede Nutty Bavarian, com 130 franquias, que entre os meses de março e abril chegou a ter 100% das unidades paralisadas. Ela firmou parceria com o Mercado Pago e a Ame, para ampliar os meios de pagamento; fechou contrato com outras franquias complementares ao seu produto, para operar no sistema store in store, além de colocar a franquia na plataforma do iFood. “Mais do que em qualquer outra época, é hora de encontrarmos soluções em conjunto”, afirma, observando que várias redes de franquia começaram a compartilhar estruturas jurídica, administrativa e financeira.

Na visão de Ana Vecchi, CEO da Ana Vecchi Business Consulting, a pandemia acendeu nas empresas um alerta para a prática de um novo conceito, já bastante comentado na teoria, porém, ainda pouco praticado – a economia compartilhada. “Até, então, havia aqueles empresários que conheciam e praticavam; os que sabiam do que se tratava, mas não davam atenção; e aqueles que não faziam a mínima ideia e nem sequer gostariam de aprender”, afirma. “Com a velocidade que as coisas aconteceram, a necessidade de dividir custos, espaços, conhecimento e soluções tornou-se latente, fazendo com que cada vez mais o verbo compartilhar fosse conjugado.” Embora acredite que a mudança tenha ocorrido mais pela dor do que pelo conhecimento de valor do conceito, para Vecchi há nesse movimento boas exceções.

É o caso da AlphaGraphics, franquia de comunicação impressa, que realizou um webinar durante a quarentena para ensinar pequenos empresários a fazerem a gestão de suas gráficas, de modo que um pudesse complementar o serviço do outro, segundo suas especialidades. “Na prática é um compartilhamento de conhecimento e ganhos com a concorrência, com o objetivo de fortalecer o setor em tempos de queda do faturamento”, diz Vecchi.


QUEBRA DE PARADIGMAS

De acordo com os especialistas, um dos grandes desafios para as empresas daqui para a frente será abandonar certas verdades adotadas no cotidiano das corporações que eram úteis, mas não serão mais, causando um grande desconforto. “Aqueles líderes que brilhavam na abundância, quando os pontos frágeis ficavam camuflados, não estão sabendo (e não saberão) trabalhar em épocas de escassez”, afirma César Souza. “Não dá mais para dirigir empresas olhando no retrovisor. É preciso desapegar, desprezar o que não performa mais como antes, descontinuar o negócio se for preciso, e buscar novas oportunidades”.

Para isso é preciso ser ágil, promover mudanças rápidas, uma característica que a pandemia colocou em xeque em toda parte e que deixou muita gente sem ação. “O mundo continuará mudando de forma avassaladora, o que acentuará ainda mais a necessidade de ser ágil para ser bem-sucedido”, ressalta Sandro Magaldi, autor do best-seller Gestão do Amanhã. “A visão de agilidade vale para todos os segmentos, ninguém está livre.”

Uma lição que Antonio Leite, CEO do Grupo Trigo, gestor das redes Spoleto, Koni e Lebonton, fez com afinco ao praticamente reinventar o negócio transformando uma operação 100% física em delivery. Dos 443 restaurantes do grupo, apenas 20% operavam com delivery, mesmo assim, 80% da receita vinha do balcão. “Colocamos no ar uma plataforma de e-commerce robusta para cada uma das marcas em cerca de dez dias e incrementamos a produção de molhos e massas pré-prontos para serem consumidos em domicílio”, conta Leite. O resultado veio na mesma velocidade. Em março, pouco mais de cem franquias operavam por esse sistema e, em junho, 271 estavam abertas graças ao delivery; dessas, 136 em regime misto (balcão e delivery). “Conseguimos com isso alcançar, na média, 24% do faturamento registrado pelas unidades em maio de 2019, quando a operação era 100% física”, revela Leite.

Tomar decisões rápidas e precisas, contudo, exige mais do que intuição. Pede um conhecimento profundo do próprio negócio, do comportamento do consumidor e do mercado, algo que a maioria das companhias ainda não domina por completo, por mais que apregoe o contrário.

Na prática, carece de uma gestão acurada dos dados. “Muito se fala de big data, muito se gasta com ferramentas de captura de informações, mas pouco se extrai efetivamente dos dados”, alerta Eduardo Yamashita, diretor de operações do Grupo GS& Gouvêa de Souza. “As empresas perceberam na pandemia o quanto é importante conhecer profundamente o seu consumidor.” Segundo ele, quem estava postergando investir tempo, dinheiro e foco na coleta, na organização e na aplicação de dados ao processo de tomada de decisão se deu mal. “Ficou muito claro nesses últimos meses que gestão de informação é um dos grandes diferenciais das maiores empresas do mundo”, diz Yamashita. “Quem não cria meios para desenvolver essa competência, joga fora seu maior diferencial competitivo, um ativo que será cada vez mais importante daqui para frente.”

É a partir da boa interpretação dos dados que as empresas não só podem como devem melhorar a experiência de seus clientes e usuários, de forma personalizada. Mais uma estratégia que tanto se falou nos últimos anos, sobretudo no varejo. O que significa essa experiência em tempos de transição para o que passou a se chamar de “novo normal”? Significa praticar efetivamente a multicanalidade, disponibilizando as mesmas facilidades em todos os canais de vendas, físicos e digitais. __Não existe um “ou” outro, a ordem é um “e” outro.

É preciso navegar constantemente por paradoxos__ e fazer a entrega de valor mais adequada às necessidades e às expectativas do consumidor.

“Mais do que tentar transformar todas as operações em premium, mais exclusivas, sem aglomeração, o que se deseja nesse período de transição, que pode levar meses, é que a experiência seja racional, oferecendo às pessoas códigos claros de segurança, eficiência e agilidade, fazendo com que elas não precisem passar mais tempo do que o necessário dentro do varejo”, afirma Alberto Serrentino, fundador da consultoria BTR-Varese. “Isso implica lojas bem organizadas e sinalizadas, produtos fáceis de acessar, ausência de filas, facilidade de meios de pagamento, variedade de pontos de retirada e a maior integração possível entre os canais físico e digital”. Segundo o consultor, é preciso ter clareza de que o comportamento do consumidor mudou muito: a frequência de compra diminuiu, o tíquete médio aumentou, a taxa de conversão tende a ser mais alta porque o consumo deverá ser mais racional e menos emocional. “Mas para que isso aconteça é preciso seguir rigorosamente os protocolos, porque as pessoas querem se sentir seguras”, adverte.

A necessidade de menos contato com pessoas e objetos provocada pelo combate ao coronavírus acelerou não só a mudança de comportamento de compra do consumidor, mas, também, a adoção de novas tecnologias. É a economia low touch ganhando espaço. “Tivemos uma revolução de 5 anos em 50 dias”, afirma Marcelo Zucca, presidente da NCR Brasil. “Todas as barreiras de digitalização foram quebradas, porque não tinha opção. Muitas das tecnologias já estavam à disposição há anos, porém, havia resistência na adoção.” Como exemplo, ele cita os caixas eletrônicos que podem ser operados via videoconferência, sem que o usuário toque na tela ou no teclado. “Já existem pilotos em operação na Argentina e no Caribe, mas no Brasil o mercado sequer olhava”, diz Zucca. “Diante da nova realidade, passou a despertar interesse, assim como os self checkouts que reconhecem as digitais para pagamento sem toque, apenas por aproximação.”

Os especialistas são unânimes em afirmar, contudo, que o consumidor está muito mais exigente e atento em relação ao comportamento das marcas. É na crise que os deslizes se tornam mais evidentes, podendo causar consequências desastrosas para a imagem e para os negócios. Os exemplos do que não se deve fazer, aliás, se multiplicaram desde o início da pandemia no Brasil e no exterior. “As marcas que não são transparentes e não estão alinhadas com o propósito das pessoas perderão mercado”, afirma Denis Santini, sócio do Grupo MD. “O consumidor está muito mais crítico. É preciso ter cuidado com as palavras, com as atitudes, não dá mais para falar e não fazer ou, ainda, não ser transparente tanto para a equipe quanto para o mercado.” É essencial cuidar da reputação da marca.


UM NOVO JEITO DE TRABALHAR E FAZER NEGÓCIO

Se em janeiro de 2020 alguém afirmasse que 100% dos funcionários iriam trabalhar remotamente, ninguém acreditaria. Mais do que isso, soaria como ficção, em especial para as empresas mais tradicionais, nas quais registrar o ponto faz parte da rotina. Pois foi o que aconteceu quando a quarentena foi adotada no Brasil. “Faz tempo que se fala em trabalho remoto.

O coworking foi um passo nessa direção e agora ficou claro que é possível trabalhar de qualquer lugar”, afirma Daniela Klaiman, especialista em estudos do futuro. “Isso significa uma economia grande para as empresas e uma mudança de mentalidade, uma vez que a medida de desempenho passa a ser produtividade e não mais hora trabalhada.”

Graziele Rossato, CEO da Viaflow, vai além. “O modelo de gestão das empresas em geral era muito focado no controle. Com o trabalho remoto a gestão do tempo passa a ser o foco”, ressalta. “Agora, deve-se supervisionar muito mais os resultados e o nível de confiança do que a hora trabalhada.” Um dos principais gargalos nessa mudança, na sua visão, é o senso de urgência e importância, que deve ser muito bem calibrado no dia a dia.

Tamanha transformação tende a impactar no tamanho e no layout dos escritórios. Muitas companhias gostaram da experiência do trabalho remoto e sinalizam o desejo de deixar parte da equipe nesse modelo. “Antes da pandemia, o layout da maioria dos escritórios seguia o desenho espinha de peixe, com as pessoas muito próximas”, diz Thomas Batt, CEO da Seguros Sura. “No novo modelo, esses espaços deverão ser um local de socialização, de experiência, de workshops, com áreas menores, recebendo grupos de colaboradores.”

Nem mesmo as indústrias passarão imunes aos impactos da crise sanitária e econômica mundial. Se entre 2011 e 2018 o maior esforço era tornar realidade o modelo de indústria 4.0, visando melhorar a eficiência do processo operacional, a fim de produzir com mais qualidade e menor custo e assim se resguardar da ameaça chinesa, agora o foco é outro. “A ameaça não é mais a eficiência chinesa, é a demanda”, afirma Gustavo Brito, diretor de digital industry da IHM Stefanini. “A maioria dos setores teve retração, e isso requer um grau alto de eficiência na operação, condução da jornada de produção 4.0 adotando tecnologia que garanta eficiência e competitividade ao processo e olho no cliente para orquestrar a produção”. Quem provocará as adaptações será o consumidor, fazendo com que as indústrias sejam mais responsivas e operem em um modelo híbrido daqui para frente.

Com fronteiras fechadas praticamente ao mesmo tempo em todo o mundo, dificultando a circulação de insumos e sem poder produzir nos níveis desejados, muitos segmentos despertaram para a necessidade de firmar parcerias locais para reduzir, ao menos um pouco, a dependência de grandes players globais de suas cadeias de fornecimento. Mas a equação é complexa. “Assistimos a uma série de movimentos de diversificação da cadeia de abastecimento e até mesmo na ponta, como o ‘Compre do fornecedor local’, mas é praticamente impossível se afastar da China e da Ásia por uma questão de custo-benefício”, adverte Yamashita, do Grupo GS&. “Ninguém consegue reunir da noite para o dia mão de obra, maquinário, know-how e economia de escala.”

Para a consultora Lyana Bittencourt, um dos grandes aprendizados da pandemia lembra um conhecido ditado popular: não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta. “O mercado nacional foi desconstruído em muitas áreas com grande concentração em players mundiais”, declara. “A autodependência existe. Quem tem inteligência na cadeia de valor já se preocupava com isso, mantendo um olhar sempre aberto para novos fornecedores e parceiros locais.”

Em um ponto todos concordam: nenhum mercado no mundo estava preparado para os impactos que a pandemia gerou, por mais sofisticadas que fossem suas cadeias de fornecimento. “A maioria precisou rever e se adaptar para manter a eficiência financeira e atender às demandas de qualidade do consumidor”, afirma Maurício Nogueira, vice-presidente de Operações da DHL Supply Chain. “A expansão da malha de entrega ao consumidor final, apoiada em novos modelos econômicos e muita tecnologia, também se tornou realidade.” Desse modo, na visão do executivo, teremos logísticas mais flexíveis e resilientes às transformações do mercado.

E não foi apenas a logística de entrega, referente ou não à última milha – entre o centro de distribuição e a casa do consumidor – que foi posta à prova. A pandemia deixou claro que um correto dimensionamento de estoques garantiu o fornecimento ao consumidor quando ele mais precisava, ensinou a lidar com picos de demanda, com a menor disponibilidade de transporte internacional e até impactos advindos de intensas variações de câmbio. “Neste cenário, gerir corretamente o estoque significou manter o negócio vivo e as cadeias de suprimento em funcionamento”, afirma Ivan Jancikic, diretor da LLamasoft. “Quem tinha gestão ruim morreu. Os que acertaram a rota rápido tendem a passar por esse momento com resultados mais positivos.”


DE OLHO NOS NÚMEROS

Acompanhar o sobe e desce das bolsas ao redor do mundo e a volatilidade das moedas foi teste para cardíaco entre março e junho deste ano. E ainda deverá ser por um bom tempo. “É importante enxergar essa crise separando os aspectos financeiros e econômicos”, adverte Fábio Astrauskas, CEO da Siegen. O relógio financeiro correu mais rápido, afetando pessoas físicas e jurídicas. Houve queda abrupta das bolsas, com maior intensidade no Brasil. Passados mais de cem dias, o mundo não acabou. Com a tendência de inflação baixa, queda da taxa Selic e da atividade econômica, o mercado financeiro voltou às compras, e o dólar baixou. Isso não significa, porém, que planejar o futuro – nem que isso signifique traçar planos para o segundo semestre –, seja um exercício fácil, pelo contrário.

Ninguém tem bola de cristal e tampouco sabe quando estaremos livres da Covid-19. “O caminho é trabalhar com planejamento de curto prazo, para algumas semanas, sempre com duas vertentes: uma mais positiva e outra mais pessimista”, afirma Carlos Eduardo Brandão, conselheiro de administração do IBGC. “O ideal é colocar os dados macro e combinar com números da empresa. Trata-se de um exercício que ajudará a antecipar alguns riscos.”

Antecipar riscos implica, também, fazer uma boa gestão de fluxo de caixa, sobretudo nos momentos em que as saídas são maiores do que as entradas. É aquele feijão com arroz do mundo da gestão que, em tempos de bonança, às vezes é negligenciado. “A gestão de caixa é essencial, o que significa inclusive construir o que chamamos de teste de estresse. Por quanto tempo o caixa sobrevive, por quanto tempo consegue arcar com o pagamento dos compromissos em dia? É preferível a empresa ser proativa em quantificar esse estresse, para ir calibrando a sua tomada de decisão à medida que o novo coronavírus avance”, disse Viviane Martins, CEO da consultoria Falconi na edição passada de HSM Management.

O que torna a gestão de fluxo de caixa ainda mais desafiadora é a restrição no acesso ao crédito. “A análise de crédito se manterá mais rigorosa daqui para frente, o que impactará diretamente nos pequenos e nos médios negócios, já bastante afetados pela crise”, observa Leonardo Marchi, sócio-diretor da consultoria Praxis Business. “Por isso vale recorrer a várias instituições, tendo em mente que os bancos tradicionais têm regras mais duras que as fintechs e os bancos de fomento.”

O alerta vale, também, para as startups, que nos últimos anos estiveram no radar de muitos investidores. Ao contrário de um passado recente, não dá para viver mais apenas de investimentos em ideias brilhantes, é preciso ter o negócio pronto para rodar. “Uma ideia na cabeça e um power point bem-feito não funciona mais”, afirma César Souza. “O mercado está mais exigente, olhando para coisas que realmente fazem sentido. Precisa ter fundamento, barreira de entrada, escalabilidade.”

Para grandes ou pequenos, ter a empresa rigorosamente em ordem neste momento faz muita diferença, não só para garantir boas condições de crédito, mas também para assegurar boas negociações com fornecedores e oferecer transparência frente ao mercado e aos consumidores. Para tanto, é preciso reforçar mecanismos de governança para gerar segurança, observa Dalton Sardenberg, professor da área de estratégia e governança corporativa da Fundação Dom Cabral. “Neste momento torna-se ainda mais essencial o trabalho dos conselhos, sejam eles consultivos ou de administração, a fim de analisar cenários e saídas para a retomada”, afirma.

Não há como negar que ainda atravessaremos momentos de incerteza que, naturalmente, despertam a necessidade ainda mais forte de criar comitês internos para gestão de riscos. “A pandemia exacerbou dúvidas e potencializou riscos no campo político, econômico e até tecnológico. Vivenciamos muitos vazamentos de dados, vários ataques cibernéticos”, ressalta Fabio Soto, CEO da Agility. “As empresas precisam continuar operando com eficiência, entregando produtos e serviços de qualidade. Para que isso aconteça, nunca foi tão essencial ter controles e processos. Isso significa investir em auditorias e apoiar-se nos conceitos de compliance e governança.”

Que as coisas vão se estabilizar, disso ninguém tem dúvidas, porém não se sabe quando. A única coisa certa é que o cenário não será o mesmo da pré-pandemia no Brasil e no mundo, daí a ânsia de empresas e mercados em buscar novas formas de fazer negócio e se reinventar.

Lições – estratégia empresarial 1. A transformação digital não é estratégia de futuro, é presente. Quem não adotá-la ficará fora do mercado. 2. É preciso ter capacidade de inovar em todos os estágios, desde simples processos até ideias realmente disruptivas. 3. Fazer experimentos de fato faz sentido, não é só modinha de startup. 4. Novos modelos de negócios: ganhará destaque no mercado quem estiver aberto ao novo. 5. O sentido de ecossistema foi fortalecido. Grandes empresas dependem das pequenas. Esse modelo sempre foi verdadeiro, mas agora há mais consciência. 6. Parcerias são cada vez mais importantes e é preciso aprender a gerenciá-las. 7. O verbo “compartilhar” vai ser conjugado em frentes cada vez mais distintas pelas empresas: de dividir negócios com parceiros a dividir ideias e recursos, e até mesmo instalações industriais. 8. É preciso ter mais desapego em relação aos negócios, saber descontinuar as coisas. 9. As organizações são capazes de se mover mais rapidamente do que jamais imaginaram ser possível. 10. O Brasil corporativo de modo geral está muito atrasado em cultura e governança de dados. 11. Experiência do usuário realmente importa. 12. Navegar paradoxos será uma constante: o OU terá de dar lugar ao E. 13. Todo negócio com a lógica da aglomeração vai ficar difícil de operar. 14. A economia low touch, antiaglomerações, é viável e provável, e todos os negócios devem participar dela de algum modo. 15. Uma via negativa fundamental (conceito de Nassim Taleb) é não ter uma reputação ruim. 16. A produtividade está vivendo um renascimento. 17. As estratégias de trabalho devem focar a inovação e não o esforço. Trabalhamos muito e fazemos pouco. 18. Os escritórios precisarão mudar para comportar um desenho mais flexível. 19. As operações industriais precisam ser reimaginadas, como nos modelos híbridos. 20. Cadeias produtivas globais são estratégicas para as empresas, mas, para reduzir riscos, é preciso investir também em parceiros locais. 21. Logística é um desafio que precisa ser priorizado por toda a empresa. 22. Gestão de estoque deve receber muito mais atenção do que recebia. 23. A pandemia ainda nem acabou, mas a bolsa de valores B3 já voltou ao patamar anterior ao da crise e o dólar baixou. É preciso manter a calma. 24. Planejamento é importante, mas tem de considerar cenários, porque a incerteza é imensa. 25. Gestão do caixa deve ser feita de maneira mais frequente. O que significa lidar mais com crédito do que com investimentos. 26. A análise de crédito está mais rigorosa e não deverá ser flexibilizada tão cedo. 27. Não dá para sobreviver só de investimentos, mesmo sendo a startup mais bacana. É preciso viver de fundamentos também. 28. As estruturas de governança podem não ser um obstáculo, e sim uma ajuda. 29. A gestão de riscos fica muito mais importante, bem como as auditorias internas e o compliance. 30. Existe uma ânsia geral de reinvenção


Fonte: Revista HSM

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